18 novembro, 2015

Impressões e notas finais sobre o 26º AMADORA BD

Terminado que está o 26º AMADORA BD e aproveitando algum tempo disponível registo aqui as minhas impressões sobre a edição deste ano. Confesso que não tinha grandes expectativas para o festival. O tema central A Criança na BD era-me pouco apelativo, bastante datado tal como as personagens Quim e Manecas que estiveram na base de toda a linguagem gráfica que o festival apresentou este ano, e cujo reflexo se traduziu por exemplo na produção de um dos piores cartazes que tenho memória, incapaz de transmitir qualquer dinamismo ou emoção. Num país de desenhadores confesso não conseguir perceber a escolha de agências de design para estas tarefas. Mas adiante. Em termos de autores presentes, não se anunciavam nomes internacionais sonantes, com excepção feita a Jacques Tardi. Averso a participar em sessões de autógrafos, deslocou-se a Portugal para apresentar o seu espectáculo Putain de Guerre! evocativo da Primeira Guerra Mundial, e acabou por ser uma das belas surpresas do Amadora BD.


No piso 0 do Fórum Luís de Camões, a primeira surpresa foi a colocação nesta zona da área comercial. Ocupando parte significativa do espaço, reuniu praticante quase todas as editoras nacionais de banda desenhada, inclusive a jovem Arte de Autor que recentemente abriu o seu catalogo com um Manara. Bem iluminada e arejada tornava-se bastante convidativa. e tal traduziu-se num constante fluxo de visitantes. Uma aposta ganha. Claro que ajudou também à festa o número assinalável de novidades. Confirma-se que não existe melhor palco para o lançamento de uma banda desenhada que um festival de BD. Nota positiva.


É quase certo as exposições serem um dos pontos altos do AMADORA BD. Este ano uma mão-cheia delas manteve o nível em muito bom. No piso 0, destacava-se uma pequena sala onde se exibiam pequenos tesouros. Entre outros, duas grandes pranchas de Little Nemo In Slumberland de Windsor McCay. Sem palavras. Noutra parede, encontrava-se o desenho de capa original do álbum Garra Negra (série Alix) de Jacques Martin, pranchas de Hergé e Joan de Moor (série Quim e Filipe) e Derib (Buddy Longway). Preciosidades que poucas vezes se tem oportunidade de ver ao vivo. Outra surpresa (bela) foi ver o preto-e-branco ganhar vida nos originais de Horacio Altuna na obra El Último Recreo. Destaco também a mostra dedicada ao álbum A Batalha, de Pedro Massano (ed. Gradiva). Num cenário cénico bem conseguido e com pranchas vibrantes de momentos da batalha, respirava-se por ali Aljubarrota. E uma palavra ainda para uma das minhas séries preferidas: Calvin e Hobbes, cujas pranchas apresentadas eram de um humor delicioso. No piso inferior, O Pugilista, de Reinhard Kleist (ed. Polvo) e André Oliveira cativaram a minha atenção. Exposições muito bem conseguidas, num excelente trabalho de composição de elementos, que permitia ao visitante respirar ambientes. Nota muito positiva.


A nota mais negativa vai (mais uma vez) para a opção de descentralização das exposições. A mostra dedicada à obra de Jacques Tardi, A Guerra das Trincheiras, foi colocada na Bedeteca da Biblioteca Municipal, que não fica ali exactamente ao lado do Fórum Luís de Camões. Para quem visita o festival ao fim-de-semana para assistir aos lançamentos, apresentações e sessões de autógrafos, não se torna prático aventurar-se pelo meio da cidade da Amadora em busca de exposições perdidas. Ano após ano e não há forma da organização entender isto.



Em termos de autores, longe vão os tempos do FIBDA em que o cartaz do festival anunciava uma mão-cheia de reconhecidos nomes da BD internacional, muitos deles oriundos da banda desenhada franco-belga. Não obstante o festival ser dotado de um orçamento de meio milhão de euros, a verdade é que estes convites tem vindo a diminuir. Na edição deste ano destacaram-se dois nomes: Jacques Tardi e Horácio Altuna. Não serão dos nomes mais sonantes, mas a recente publicação do magnifico Foi Assim a Guerra das Trincheiras (ed. Levoir) trouxe alguma espectativa à presença de Tardi mesmo sabendo-se que não costuma participar em sessões de autógrafos. A verdade é que o autor acedeu e satisfez pedidos durante cerca de duas horas num momento raro de fazer inveja lá fora. A presença dos brasileiros André Diniz e Marcello Quintanilha começa a ser habitual por cá. E uma boa surpresa foi conhecer o alemão Reinhard Kleist com a sua obra O Pugilista. Mas é muito pouco. Espera-se mais como tanto orçamento.

Quem tem aproveitado bem estes festivais tem sido a chamada «prata da casa», leia-se autores nacionais. Já no ano anterior assim foi. E tão boa conta tem dado do recado. Com bastantes lançamentos preencheram o programa do festival e encheram as filas para autógrafos. Saúdo aqui o regresso da dupla Louro/Simões com o seu Jim Del Monaco, que prometeram não ficar por aqui. Tudo junto proporcionou um boa colheita de desenhos autografados.

Em suma, temos na Amadora um festival longe do fulgor de outros tempos, que com algumas boas surpresas vai cumprindo com os «mínimos olímpicos», mas qu está claramente em perda de protagonismo para a Comic Con do Porto ou para o Festival de Beja. Assim, longe de entusiasmar o AMADORA BD é sempre um bom pretexto para um óptimo convívio com amigos que a banda desenhada vai reunindo em redor. Ficam as minhas notas finais e até para o ano!

Notas positivas:
+ Jacques Tardi na sessão de autógrafos
+ Zona comercial e de autógrafos
+ Exposições
+ Bom número de lançamentos

Notas negativas:
- Descentralização das exposições
- O reduzido número de autores internacionais
- Cartaz do Festival



2 comentários:

RC disse...

Estás a falhar a presença do Mathieu Sapin. Tardi não é "nome sonante"? Só te desculpo isso porque te queixas que o teu francês é fraco ;-)

Nuno Neves disse...

Olá Rui!

Foi intencional. O Sapin é daqueles autores repetentes, que não atrai muito público. Uma arte caricatural e sem qualquer obra publicada em português talvez expliquem. Mas a culpa não é dele mas de quem o convida. Uma chamada do seu nome no texto não seria relevante. Quanto ao Tardi, é um bom nome. Mas não nos podemos esquecer que a sua presença no festival foi por causa do seu espectáculo. A sessão de autógrafos nem estava prevista. Foi uma sorte. Temos portanto o acaso e o amadorismo a fazer a festa no Amadora BD. Olhamos para o painel de autores convidados para a ComicCon para perceber que há qualquer coisa a falhar no festival da Amadora. Abraço